Implicações jurídicas a partir da proibição pelo STF do trabalho insalubre para gestantes e lactantes

Implicações jurídicas a partir da proibição pelo STF do trabalho insalubre para gestantes e lactantes

Antes do advento da Lei n. 13.467/2017, conhecida como Reforma Trabalhista, a CLT determinava a proibição de trabalho em ambiente insalubre para mulheres grávidas ou em período de amamentação (lactantes). Tal vedação advinha do que preconizava o artigo 394-A:

“ A empregada gestante ou lactante será afastada, enquanto durar a gestação e a lactação, de quaisquer atividades, operações ou locais insalubres, devendo exercer suas atividades em local salubre. ”

Nesse viés, o preceito legal anterior à reforma trabalhista determinava, ao fim e ao cabo, duas possibilidades ou providências para a conjectura em comento: a) preferencialmente, a realocação da empregada gestante ou lactante para o exercício de suas atividades em local salubre; b) para a hipótese de não existir a possibilidade de realocação dentro do contexto da empresa, o afastamento da empregada pelo período da gestação ou amamentação, ocasião em que teria direito à percepção do salário maternidade.

Com a entrada em vigor da Lei n. 13.467/2017, a redação do artigo 394-A da CLT fora alterada para o fim de permitir, como regra geral, a prestação de serviços em condições insalubres para grávidas e lactantes, desde que o nível de insalubridade da atividade ou do ambiente laboral não ultrapassasse o grau médio.

Em outras palavras: a Reforma Trabalhista legalizou a prestação de serviços insalubres em grau mínimo ou médio para gestantes ou lactantes, mantendo a vedação apenas em relação às atividades ensejadoras da percepção de adicional de insalubridade em grau máximo.

Importante referir ainda que o novo texto legal dispôs de forma expressa que, mesmo nas situações envolvendo insalubridade em grau mínimo ou médio, a empregada gestante ou lactante terá direito ao afastamento dessa atividade caso apresente atestado de saúde emitido por médico de sua confiança recomendando a suspensão da prestação de serviços nessas condições.

Contudo, a nova disposição legal trouxe a lume um caloroso debate sobre a constitucionalidade do artigo de lei em questão, eis que a Carta Política de 1988 outorga máxima proteção à maternidade, ao nascituro e à criança. Logo, o objeto do debate passou a residir na dúvida sobre uma possível redução da proteção constitucional em decorrência da permissibilidade legal de exposição da gestante e / ou lactante ao agente insalubre, ainda que limitado aos graus mínimo ou médio.

A despeito da polêmica envolvendo a validade constitucional do novo preceito legal, dias após a promulgação da Lei 13.467/2017 o Governo Federal editou a Medida Provisória 808/2017, a qual consignou, no seu texto, uma nova modificação em relação ao conteúdo do já outrora e recentemente alterado artigo 394-A, da CLT.

A MP em questão, no tocante ao tema ora abordado, passou a determinar o afastamento da gestante ou lactante de quaisquer atividades, operações ou locais insalubres, devendo laborar em local salubre, hipótese que autorizaria a supressão do pagamento do adicional de insalubridade. No entanto, por outro lado, passou a permitir o exercício de atividades insalubres em grau mínimo ou médio pelas empregadas gestantes ou lactantes desde que apresentassem atestado de saúde emitido por médico de sua confiança.

Atente-se você, caro leitor, para o fato de que houve alteração de paradigma nas disposições jurídicas sobre o tema. Explica-se: no contexto da nova redação do artigo 394-A da CLT outorgada pela Lei 13.467/2017 (Reforma Trabalhista), tem-se como regra a permissão da prestação de serviços em condições de insalubridade de grau mínimo ou médio pelas gestantes ou lactantes, sendo o afastamento apenas a exceção, desde que comprovada a necessidade por atestado de saúde emitido pelo médico de confiança da empregada. Já na hipótese consignada na MP 808/2017, a regra passa a ser a proibição do labor em condições insalubres para gestantes ou lactantes, inclusive no que concerne às atividades caracterizadas como grau mínimo ou médio. A exceção, portanto, passa a ser a permissão do exercício da atividade insalubre desde que amparado por atestado de saúde emitido pelo médico de confiança da trabalhadora.

Apesar das alterações e da insegurança jurídica geradas pela indefinição sobre o tema, o fato é que antes da entrada em vigor da Lei 13.467/2017 (Reforma Trabalhista), havia proibição total de prestação de serviços em atividades ou ambientes insalubres, independente do grau, para empregadas gestantes ou lactantes. Após a entrada em vigor da aludida Lei, passou a existir a possibilidade de labor nas hipóteses de grau mínimo ou médio, seja em um primeiro momento como regra geral (Lei 13.467/2017), seja em um segundo momento como exceção, desde que amparada por atestado de saúde emitido por médico de confiança da empregada (MP 808/2017).

Como consequência lógica, a matéria foi submetida ao Supremo Tribunal Federal, via Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADIN), para apreciação da (in) constitucionalidade das alterações.

Em 30/04/2019, através de decisão liminar, o Ministro Alexandre de Morais, do STF, declarou a inconstitucionalidade do Artigo 394-A da CLT, suspendendo a possibilidade de trabalho em condições insalubres para gestantes e lactantes, em qualquer grau e independente de atestado de saúde emitido por médico. Como corolário desta decisão, houve atribuição de eficácia à redação original do artigo 394-A da CLT, ou seja, tornou-se a conferir plena validade jurídica para a redação anterior à Reforma Trabalhista.

A decisão liminar foi confirmada pelo plenário do STF em 29/05/2019, que fundamentou o entendimento em dois aspectos, essencialmente: a) a proteção da empregada gravida ou lactante no que diz respeito ao trabalho em condições insalubres deve ser caracterizado como direito social protetivo e irrenunciável da mulher e da criança; b) a probabilidade de que trabalhadoras de baixa renda optem por não buscar um médico para análise do risco de manutenção da prestação de serviços em condições insalubres, fato que poderia comprometer não só a própria saúde da empregada, como também a saúde do nascituro ou da criança.

Ainda que a decisão tenha sido proferida pelo plenário do STF, em julgamento colegiado, a tão almejada segurança jurídica vindicada pelo setor empresarial acerca do tema ainda não poderia ser definitivamente caracterizada. Isso porque a Advocacia Geral da União (AGU) optou, à época, por impetrar Embargos de Declaração para o fim de postular esclarecimentos sobre o teor da decisão, notadamente em relação ao impacto nos cofres públicos decorrentes da consequente ampliação no pagamento de salário maternidade, e, ainda, sobre a possibilidade de a empregada gestante se manter no exercício de atividade insalubre caso houvesse comprovação cientifica de que não haveria risco à gravidez ou à criança.

Houve, por fim, pedido da AGU para que os efeitos da decisão sobre o afastamento da empregada não fossem imediatos, mas sim que tivessem início após 6 (seis) meses, período em que órgãos diversos poderiam auferir a real existência de riscos à saúde de gestantes, lactantes, nascituros e crianças, sobretudo recém-nascidos, em uma variada gama de atividades, especialmente na área de saúde e no segmento hoteleiro.

Finalmente, em 11/11/2019, por unanimidade, os ministros do STF rejeitaram os argumentos apresentados pela Advocacia Geral da União e tornaram definitivo o entendimento sobre a matéria: declarou-se inconstitucional trecho da Lei 13.467/2017 (Reforma Trabalhista) que previa a necessidade de recomendação via atestado médico para afastamento da empregada gestante ou lactante do exercício da atividade insalubre.

A partir disto, passa a valer, de forma definitiva, o regramento previsto na redação anterior do artigo 394-A, o qual prevê a necessidade de afastamento imediato da gestante ou lactante de atividades com qualquer grau de insalubridade.

À guisa de conclusão, pode-se afirmar que a partir do posicionamento do Supremo Tribunal Federal a situação atual envolvendo empregadas gestantes ou lactantes demanda afastamento imediato de toda e qualquer atividade ou local insalubre, independente do grau. Caso não seja possível a realocação em outro tipo de serviço, a funcionária gestante ou lactante deve ser afastada do trabalho, ocasião que fará jus ao recebimento de salário maternidade, observados os requisitos da lei que regulamenta o benefício.

Autor: Jonathan Frantz

Fonte: Site do Aguiar Toledo & Frantz